Seja bem-vindo. Hoje é

domingo, 11 de novembro de 2012

''Como é bom ser bom!''



 
Tu, que vês tudo pelo coração,
Que perdoas e esqueces facilmente,
E és, para todos, sempre complacente,
Bendito sejas, venturoso irmão.

Possuis a graça como inspiração
Amas, divides, dás, vives contente,
E a bondade que espalhas, não se sente,
Tão natural é a tua compaixão.

Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade.

E assim, tal qual a flor contém o dom.
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.

Martins Fontes
(1884 - 1937)

terça-feira, 12 de abril de 2011

À boca da noite


Não olhes: é a noite
completa que tomba.

Não olhes: é a estrada
que, súbito, acaba.

Não olhes: é o anjo,
teu anjo que chora.

Não olhes.


Emílio Moura

Canção


Não quero ver esta rosa,
nem saber por que floriu.
A cor mais bela do Arco-Íris
foi a cor que ninguém viu.

Não quero ouvir este canto,
nem saber de seu sentido.
Quem é que me conta
o que foi perdido?


Emílio Moura

Aqui termina o caminho


Os sinos cantando, as sombras todas se diluindo
dentro da tarde. Dentro da tarde, o teu grave

pensamento de exílio.

Por que ainda esperas? Aqui termina o caminho,
aqui morre a voz, e não há mais eco nem nada.

Por que não esquecer, agora, as imagens que

tanto nos perturbaram
e que inutilmente nos conduziram
para nos deixar, de súbito, na primeira

esquina?
Essa voz que vem, não sei de onde,
esses olhos que olham, não sei o quê,
esses braços que se estendem, não sei para

onde...

Debalde esperarás que o oco de teus passos

acorde os espaços que já não têm voz.
As almas já desertaram daqui.
E nenhum milagre te espera,
nenhum.

Emílio Moura

Os que se foram


Pouco a pouco vou compreendendo esta verdade

tão
simples:
Agora é que realmente existem
os que se foram.
Só agora é que todos eles se movimentam
livres, imensamente livres.
Só agora é que falam
o que sempre calaram e era precisamente o que

me
levaria
à única verdade que traziam.
Saem de velhos retratos, ou de ressuscitadas

palavras
soltas,
e caminham comigo que os não sabia tão

transparentes
e comunicativos
tão lógicos,
tão completos.
Completos e definitivos.

Emílio Moura

Mar alto


Que hei de fazer, se não me encontro,
se há tanto tempo estou perdido?
É o mar, meu pai: é o mar! E o mar está

crescendo.
O mar é fundo, o mar é frio.

Meu pai, que silêncio,
que grave silêncio!
Por que não sorris?

Meu pai, estou perdido:
há tantos caminhos
no fundo do mar.
Como hei de votar?


Emílio Moura

Mundo imaginário


Sob o olhar desta tarde,
quantas horas revivem
e morrem
de uma nova agonia? Velhas feridas se abrem,
de novo somos julgados, o que era tudo some-se
e num mundo fechado outras vigílias doem.


A noite se organiza e, no entanto, ainda restam
certas luzes ao longe. Ah, como encher com elas
este ser já não-ser que se dissolve e deixa
vagos traços na tarde?


Emílio Moura

Exílio


Já nada vejo nessa bruma
que ora te esconde.
Quero encontrar-te, mas à noite
não me traz nenhuma
esperança de onde nem quando.

Amor, ah, quanto me deves!
Que é dos pés que, leves, leves,
roçaram por este chão?

Alma, és só tempo e solidão.


Emílio Moura

Marinha


Grito teu nome aos ventos.
Olha: há uma revoada marítima.
O horizonte se afasta, há um ritmo largo
de ondas que se espreguiçam.

Velas esguias,
para onde voam?

Sulcos de prata,
para onde levam?
Amiga, amiga! Ah, dize-me depressa:
Quem grita aos ventos o teu nome?
O mar, ou eu,
o grande mar que o está cantando?


Emílio Moura

Calmaria


Água estagnada
nuvem parada,
folha perdida,
pássaro de asa
partida.


Ó vento que morreis,
de leve, de leve,
despertai!


Luz que se apaga,
sombra diluída,
névoa que vaga,
voz que se cala,
ferida.


Ó voz que adormeceis
de manso, de manso,
gritai, gritai!


Tímida esperança,
pálido desejo:
a tarde tão mansa,
tão lânguida a noite
que vem.


Ó alma náufraga,
como tudo o mais:
desesperai!

Emílio Moura

Interrogação


Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.

- Senhor, são os remos ou são as ondas o que

dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas
e o barco voa dentro da noite.


Emílio Moura

SÍNTESE


Que importa à natureza o velho tema,
do ser e do não ser – o berço e a tumba?
Se alguém folgue ao prazer, se à dor sucumba,
se ria ou chore, se suspire ou gema?

Seio de mãe e estranhas de Saturno,
ela alimenta com intenso afeto,
tudo que produziu, e por seu turno,
devora avidamente o próprio feto.

O trágico problema em vão se agita
à velha geração sucede a nova,
e a cada novo ser que à luz palpita
tece-se um berço, rasga-se uma cova.

E o homem de um só dia peregrino,
de manhã, deixa o berço mal desperta;
e ao voltar pela noite, - atroz destino!
Acha o berço ocupado e a cova aberta.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

A NUVEM


Nuvem errante, peregrino vaso
que flutuas no espaço eternamente,
ora dourado pelo sol no ocaso,
ora fendido pelo sol nascente.

Essas formas fantásticas que assumes,
batida pela luz e pelos ventos,
nuvem feita de orvalho e de perfumes,
são imagem dos nossos pensamentos.

Amor ou ilusão que vais levando,
no seio onde germinam primaveras,
detém-te nuvem, deixa-me, sonhando,
nutrir-me na visão destas quimeras.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

DE TARDE


Eu vi voando caminho do Ocidente,
o bando ideal de minhas ilusões;
Do sol, um raio trêmulo, dormente,
dourava-as com seus últimos clarões.

Para longe corriam doidamente
a crença, o amor, meigas aspirações ...
Creio até, que entre as aves, tristemente,
iam partindo os nossos corações.

Além, além ... e os pássaros risonhos,
foram-se todos. Vênus lacrimosa
brilhou. No mais, deserta a imensidade.

Não! No ocaso do sol e de meus sonhos,
ficou, ainda a pairar triste e formosa,
a ave formosa e triste da saudade.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

VERTIGEM DA ARTE


No frontispício de uma antiga igreja,
talhado em duro mármore polido,
abre as asas um anjo que branqueja
entre as flores de pedra adormecido.

O olhar num sonho místico abismado,
imóvel fita a altura friamente:
- gênio estranho, que aos céus arrebatado
em pedra se tornasse de repente.

Era manhã. No rosto alvo e divino,
que no pó do tempo envolve em seu manto,
vi cintilar no orvalho matutino,
deslizando na pedra como um pranto ...

E julguei um instante, que chorasse
aquele ente sem vida, à luz da aurora,
Que se contraísse aquela face,
sem me lembrar que o mármore não chora!

Extático entre os góticos primores,
que um talento infeliz, gênio sem palma,
cinzelasse, talvez, sonhando amores,
e escondendo na pedra o sangue da alma,

tive a vertigem, (louco desvario)
de perder-me no espaço indefinido,
só para ver, de lá, o olhar sombrio
desse anjo de pedra adormecido.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

OS FERREIROS


Ó vultos varonis, resplandecentes,
ao rutilar fecundo do trabalho,
que à pobreza buscastes agasalho,
nas forjas inflamadas e candentes:

Sois o Messias que ensinais às gentes
a despir do passado o vil frangalho;
rompe um sol cada vez que tomba o malho,
porque sois outros tantos orientes.

Fazei rolar a esplêndida cascata
do trabalho incessante, pelas vasa
das rochas da matéria a progredir...

Que essas chispas ardentes que desata
vossa bigorna, orvalho são de brasas
para a flor luminosa do porvir.


Augusto de Lima
in Coletânea de Poesias

CÓLERA DO MAR


Disse o rochedo ao mar, que plácido dormia:
“ – Quantos milênios há que tu, negro elefante,
tragas covardemente, esses cuja ousadia
se arriscou em teu dorso enorme e flutuante?”
O mar não respondeu, mas um tufão horrendo,
cavou-lhe a entranha e fez estremecer de medo
o coração do abismo. Então, o mar se erguendo,
atirou um navio aos dentes do rochedo.


Augusto Lima
in Coletânea de Poesias

PAISAGEM NOSTÁLGICA


Deixei meu berço por destino incerto,
Mas a paisagem, guardo-a na pupila.
Guardo-a no coração, donde se estila
Toda a essência das lágrimas que verto.

Sons de sino perdidos no deserto...
Campanários da quase oculta Vila...
Serros magoados que a distância anila,
Mais formosos de longe que de perto.

Não vos esquecerei, por me lembrardes,
Enquanto prantear do alto das tardes,
A estrela Vésper que me viu partir.

Do astro do sonho onde minha alma adeja,
Quando colher as asas, só deseja,
No vosso seio maternal dormir.

Augusto de Lima

FLOR MARINHA


Há nos seus ademanes curvilíneos,
A doce languidez da vaga esquiva.
Seus olhos são dois fúlgidos escrínios
De gemas com que o afeto nos cativa.

Flor das espumas, dos corais sanguíneos,
Nenhum tem de seus lábios a cor viva.
Quanto aos cabelos, meu amor define-os:
"Fios de ébano em onda fugitiva".

Não sou homem do mar, contudo afago
Na alma um doido capricho, um sonho vago,
Um vago sonho singular talvez:

É de um dia, na praia, surpreendê-la,
E unir minha sorte à sorte dela,
Sobre o dorso espumante das marés.


Augusto de Lima

ESPERANÇA E SAUDADE


Sorte falaz a que nos guia a vida!
Por que há de ser tão rápida a ventura,
Que só a amamos quando é já perdida
Ou depende de uma época futura?

O que ao presente, mal nos afigura,
Era esperança, há pouco apetecida,
E uma vez no passado, eis que perdura
Como saudade que não mais se olvida.

Há sempre queixas do atual momento,
E entre as datas se eleva o pensamento,
Como uma ponte de sombrio aspeto.

Em busca da ventura que ignoramos,
Temos saudade ao bem que não gozamos,
Ilusão de ilusões, sonho completo.


Augusto de Lima